Da sacada desta casa abandonada, o lápis me parece abobado num ponto da folha pálida por falta de palavras. Também que palavras, se o cesto da memória está abarrotado de coisas do agora há pouco, e o agora é do amor, que, embora envolva a tudo não me dá a graça de um sopro?
Opa! Amor?! ― ri-me a folha há segundos anêmica, impoética, em brancas letras. Veio-me um sopro de amor, e daqui eu vejo o casal: encontraram-se, ele tem a mão dela, estão no íntimo da chama com a pólvora, e o agora tem o gosto de muito tempo atrás.
Vejo-os no parque, nas ruas andando a nada. Ouço o que falam, e estão na madrugada. A chuva os pegou na calçada, e ele a traz para si e a beija. O íntimo da chama com a pólvora se excede, o desejo explode, a essência do amor se faz; não se pode dominar o inesquecível.
Abrem-se as cortinas do quarto, o amanhecer lhes veio como num revoo de pássaros. Ela, na cama, aos lençóis do silêncio, e nele transborda toda a alegria de não acreditar no tanto amor. Olho para a folha que se anemiza, impoetiza-se, passa-se a brancas letras, pois daqui eu vejo o casal: ela se solta da mão dele, o íntimo da chama com a pólvora se esvai; o amor não alcançou o grau em que se evita o fim.
Da sacada desta casa abandonada, o lápis me parece abobado num ponto da folha, pois ela se veste, cobre o rosto com as mãos, corre as mãos no cabelo, diz adeus e tudo acaba no cesto da memória, abarrotado das coisas do agora há pouco. Embolo a folha, jogo-a no cesto do lixo.