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sábado, 21 de fevereiro de 2015

Estalo de amor

    Da sacada desta casa abandonada, o lápis me parece abobado num ponto da folha pálida por falta de palavras. Também que palavras, se o cesto da memória está abarrotado de coisas do agora há pouco, e o agora é do amor, que, embora envolva a tudo não me dá a graça de um sopro?
   Opa! Amor?! ― ri-me a folha há segundos anêmica, impoética, em brancas letras. Veio-me um sopro de amor, e daqui eu vejo o casal: encontraram-se, ele tem a mão dela, estão no íntimo da chama com a pólvora, e o agora tem o gosto de muito tempo atrás.
    Vejo-os no parque, nas ruas andando a nada. Ouço o que falam, e estão na madrugada. A chuva os pegou na calçada, e ele a traz para si e a beija. O íntimo da chama com a pólvora se excede, o desejo explode, a essência do amor se faz; não se pode dominar o inesquecível.
    Abrem-se as cortinas do quarto, o amanhecer lhes veio como num revoo de pássaros. Ela, na cama, aos lençóis do silêncio, e nele transborda toda a alegria de não acreditar no tanto amor. Olho para a folha que se anemiza, impoetiza-se, passa-se a brancas letras, pois daqui eu vejo o casal: ela se solta da mão dele, o íntimo da chama com a pólvora se esvai; o amor não alcançou o grau em que se evita o fim.
    Da sacada desta casa abandonada, o lápis me parece abobado num ponto da folha, pois ela se veste, cobre o rosto com as mãos, corre as mãos no cabelo, diz adeus e tudo acaba no cesto da memória, abarrotado das coisas do agora há pouco. Embolo a folha, jogo-a no cesto do lixo.





sexta-feira, 6 de fevereiro de 2015

Vovô Jeitinho, ou Paisagem de rua

Para Manfrini Alves de Oliveira, no seu aniversário de 2015.

    Que isso! Não iria o garoto de remoinho na testa, o que veio da roça para o parque de diversão, querer falar com Vovô Jeitinho, na Rua d’Alegria, se o Vovô é mais falado que o algodão-doce, a roda-gigante e os cavalinhos de roda? Que isso!
   Onde ele fica? ― pergunta a outro garoto, já de olhão assim, ó.
      Ué, na Rua d’Alegria. Eu não sou daqui, sabia? Sua mãe deixa você ir, eu te levar? Minha mãe? Deixa. Eu vou pedir à minha mãe pra eu te levar, tá? Tá. Eu vou pedir à minha mãe pra eu ir com você.
       O Vovô tem muitas histórias?  Ih!  Ele é  engraçado, é?  Ih! O que  ele era, antes de ser Vovô Jeitinho? Gente, ué; palhaço. Do circo?! Não, era na guerra, e lá virou palhaço e fez a paz da guerra. É longe, a Rua d’Alegria? Não, logo ali... Aió, já é aqui, e uh, uh! Olha ele lá! Agora vai ver!
 “Lá vem o Vovô Jeitinho. O seu passo é miudinho. 
Toc-toc-toc da bengala. , eu fico até sem fala!”
       Mas ele tá triste. Não, tá embirrado. Vovô, o senhor tá triste? Não, estou embirrado. Aió, não falei? Causa de quê, Vovô? Causa que uma mocinha aqui só vive pelada. Coisa feia, não? É, sim. É, sim. O quarto dela é aquele, estão vendo? Tou. Também tou. Vou assobiar, chamar ela. Não, vovô; pelada, não. É, pelada, não. Ué, vocês nunca entraram sem bater no quarto da sua mãe e não a pegaram pelada? Bem... Já, né? Bem... Já. O senhor não tem história, hoje? É, não tem? Só depois do sinal de tunda à mocinha pelada. Mas ela tem pano aqui e aqui? É, tem? Tem não. Só pelo. Vou assobiar. Vovô, por favor! É, por favor, vovô!
       Mas o vovô enfia ponta de dedos na boca e ó, fiu-fiuuu! Num triz, a mocinha Ciça está à janela, ao pelo. Atrás dela chega a menina Gabriela, que não a deixa saltar ao passeio e ir para o Vovô Jeitinho.
       Ué, é uma cadelinha! É, sim! O senhor falou que era uma mocinha, ué! É, o senhor falou, ué! Queria ver! Também! Que gracinha, vovô! É sim, que gracinha! Oh, se é! Agora vamos à praça, e eu lhes conto uma historinha, O.k.? O.k.! É, O.k.! E Vovô Jeitinho dá sinal de tunda à Ciça, e Ciça estica o pescoço e late para ele.