Que aquele magricela de pés no chão, roupa acanhada, a de ver a Deus, e olhar de um cãozinho com saudade, pisou na sala de aula, cada criança quis tê-lo sentado do seu lado. Mas a professora... Crianças! Vô Patrício vai-se sentar aqui, pertinho do quadro, porque não enxerga muito bem.
Vô Patrício, ou Menino 84, por causa da sua idade, virou o tchã. À hora da merenda, as crianças preferiam sua historinha ao arroz-doce; faziam roda. E que uma professora disse ah, eu vou entrar na roda, as outras, ó, atrás dela.
Não demorou e as crianças se deixaram do Saci, da Narizinho e Vovó Benta, tanta era a ternura que escapava do Menino 84. E que ele já escrevia de carreirinha, eis a novidade: o concurso “Quem escreve o melhor texto?”. O prêmio? Um caminhãozinho de plástico e grandão, ou uma boneca que falava ma-mãe.
O lugar, Céuzinho, entrou em alvoroço. E as mães, aos filhos, então? Ó, escreva direitim; bem bunitim. E a professora, a jogar lenha na fogueira? Quem será que vai levar o caminhãozinho ou a boneca, hein? Quem será!
Quem será que foi o menino Juca, o vencedor. Mas aí questá: enquanto o caminhãozinho não chegava de tal cidade, o povo de Céuzinho tinha na ponta da língua o texto de Vô Patrício. Só se falava nisso:
Vim menino, coisa do mato. Fui cabo d’enxada, banho de córgo, barriga-d’água, pé na enxurrada. De um tudo: até ‘sobio de passarim nas matas; ‘sobio cantadô. E vi de um tudo: “arma” penada, facho de fogo na serra... Mas fui meu benzedô.
Vim menino, coisa de taipa. Fui jão-de-barro, barro e capim. De um tudo: lida de sol a sol, numa espera sem-fim. E vi de um tudo: gente de pé no chão, a sumir nos confins.
Ora sou d’alegria, que nem ver no circo o paiaço. Sou de livro e caderno; não tenho a vida no laço; sou do viver... Vim menino da taipa, bicho do mato, é vero; mas ganhei um mundo no escrever e ler.
Aí, à hora da entrega do prêmio, Juca vai e repassa-o a Vô Patrício: Toma vô, é seu. Mas o velhinho o devolveu: não que meu tempo de caminhãozinho tenha-se apagado; não. Mas eu queria era o prêmio de ter meus pés morando em sapatos...
Sabe o silêncio, aonde se secou um corguinho? Foi esse o que se fez na escola. Mas a professora o quebrou, cortando lágrima: Assim seja, Vô Patrício!
Diinhas depois, ó o Menino 84 de sapatos, pelas ruazinhas de Céuzinho!