Céuzinho!
Céuzinho era assim: até duas dezenas de ruazinhas dormidas no sossego, com calçadas floridas; a maioria de margaridas e jasmins. As casas, casinholas, tinham quintais assim ó... Um mundo, de grandes.
Céuzinho ficava numa colina... Quer ver? Feche os olhos para dar vez aos olhos da alma, e verá que Céuzinho se brotou numa mão em súplica. Viu? Verá, também, a lua cheia a banhar Céuzinho, pois, dizia-se, lá sempre era tempo de lua cheia.
Ainda com os olhos da alma, você passa pelas ruazinhas, sentindo culpa por pisá-las, e vê onde moram as gentes. Está vendo Vó Aninha no alpendre a lhe abrir um doce sorriso? Pois é, a casinhola de Vó Aninha é a segunda maior, por ser, também, escolinha.
Um pouco, e verá a outra casinhola maior, a de Vô Nico, que é, também, hospital; Hospital do Céu. Aí você já passou por algumas vendinhas e biquinhas d’água; e, ao sair da pracinha dos Beija-Flores, verá o fim da ruazinha onde está fincada a morada do menino Dinho, o Dinhocó.
Dinhocó!
Dinhocó era assim: não se dava com as outras crianças, ria à toa, e nem picada de marimbondo lhe doía. Arredio, gostava da solidão. Ficava de cócoras, ao olhar passarinhos, e imitava o Saci, ao andar. Não lia e escrevia direito, e gostava de montão dos cãezinhos ― um deles, o Totó, o cãozinho de umas das gentes que caçoavam dele.
Caçoar, as gentes caçoavam do Dinho, que, por gostar de andar na chuva, foi chamado, no começo, de Bocó. Daí nasceu Dinhocó. E foi justamente num dia de garoa que o prazo da vida de sofrimento do Dinhocó venceu.
Isso, porque o Céu fez com que um carro se perdesse e passasse por Céuzinho. Esse carro, que sangrava as ruazinhas de Céuzinho, causando pavor, atropelou o cãozinho Totó e sumiu no mundo. As gentes, às janelas, exclamaram a sua dor: “Oh, Deus, tadinho do Totó!”.
Eles viram Dinhocó correr e tomar o cãozinho nos braços. Mas ninguém viu um vulto de mulher, como que descido do Céu, misturado à garoa, dizer a Dinhocó que colasse a boca na boca de Totó e lhe enchesse o pulmãozinho de ar. “Sopra, sopra, sopra Dinhocó! E amanhã saberás escrever a sua historinha” ― o vulto completou para se sumir no Céu.
Daí, que Vô Nico chegou para levar Totó ao Hospital, já não foi preciso tanta urgência: é que Totó respirava normalmente, de olhos cravados nos olhos do amiguinho Dinho.
Bom, se você olhar, daqui a pouco, com os olhos da alma, verá que Dinho é assim: convive muito bem com os amiguinhos, é o melhor aluno de Vó Aninha, e sabe como ninguém inventar historinhas. E sempre, claro, sem que ninguém veja, porque ninguém iria entender, ele joga o olhar para o Céu e abre um risinho como quem abre um risinho para alguém muito de dentro do coração.
Esta historinha vai para Izabel Christina, pela sua benevolência para com os cãezinhos das ruas de Avaré.