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sábado, 27 de agosto de 2016

Neusa

É pra ela, Neusa, dona Neusa, rancheira ribeirinha do Rio Tocantins, em seu amor metafísico.


OS olhos dele, em meio dos que me espreitavam, me foram tapetes de esperança em que me espreguicei.
     E num luar, eu na cama com meus pareceres noturnos, ele pega e cola os lábios na janela: “Neusa...”. Aí eu o fiz assim como um quê sem par: se esquecido; todo abandonado em mim.
     Mas o amor é difícil. É raro brilhante de  sonho. Urge estar em mutuca (1). E no nosso amor, nossas artes lasseavam: a gente tinha nem forcinha prum suspiro.
           Não há luxo que encobre o inclinado ao que não presta. Já a nossa vida de rancho beira-chão, era tão graça, tão fina, tão santa que nem essa lua a querer-se ver na pele do rio.


(Pausa.
Ela deita o olhar à lua, mas me parece que a lua é que descansa nela o olhar. Como eu)


    Ele se foi. Mas o meu desperto é que ele me vem num arzinho buliçoso. Ah, achas que eu aqui, ele noutra espécie, isso me isola do arrepio aos seus toques? Não, não! Ó, alumias aqui, o meu braço... Ó!


(1) mutuca: “estar em mutuca” é estar atento. Faz alusão a estar atento à mutuca, inseto de picada dolorosa.


sexta-feira, 19 de agosto de 2016

Rastro de tinta sobre tela

O pintor,
seus velhos pincéis,
e um dia a mais de meia noite, de meias doses, de fundos ais à dura
mudez da busca.
E passam nuvens,  e passam luas, e passam sonos  até que lhe roga 
tintas a tela. Ufa!

E nada nasce do nada:
uma primavera lhe fura o bloqueio outonal. Ele tira rastro de tinta da
manhã enroupada  de lãs; da  candura do  branco da dama-da-noite;
da magia do róseo da pele em flor; dos rubros da volúpia dos lábios;
do verde....O macio travesseiro da esperança! —; do azul, o sono da
água mais pura e do olhar absorto da lua; do amarelo, que se desco-
la do Sol e se faz em ruído de harmonia na rosa.

O pintor,
seus velhos pincéis,
e tudo se descansa ao rastro de  tinta sobre tela,  “Ela”,  brotado da
primavera  que  lhe  furou  o bloqueio  outonal. Enfim, pôde o pintor
beijar sua hipotética obra e viver à janela  fundos ais à dura mudez 
da noite.